Considerações sobre Previdência Social no Brasil
Para melhor
compreensão dos temas abordados neste espaço de debate, é de salutar relevância
a compreensão da organização e do funcionamento da previdência social no Brasil,
especialmente do Regime Geral de Previdência Social.
A Previdência Social
no Brasil é um seguro social coletivo, subespécie da Seguridade Social (Art.
194, CRFB/88), dividida em 3 regimes: Regime Geral de Previdência Social (RGPS)
e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS - incluindo o Regime Próprio dos Militares) de natureza pública; e Regime
Complementar, de natureza privada.
O jurista Wladimir
Novaes Martinez conceitua a previdência social como
técnica
de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da
pessoa humana – quando esta não puder obtê-los ou não é socialmente desejável
que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade,
nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo
de serviço ou morte -, mediante contribuição compulsória distinta, proveniente
da sociedade e de cada um dos participantes. (Wladimir Novaes Martinez, A
seguridade social na constituição Federal, 2ª ed., São Paulo, LTr, 1992)
Por sua vez, o
jurista Fábio Zambitte Ibrahim sustenta que
a
previdência Social é seguro sui generis, pois é de filiação compulsória para os
regimes básicos (RGPS e RPPS), além de coletivo, contributivo e de organização
estatal, amparando seus beneficiários contra os chamados riscos sociais. Já o
regime complementar tem como características a autonomia frente aos regimes
básicos e a facultividade de ingresso, sendo igualmente contributivo, coletivo
ou individual. O ingresso também poderá ser voluntário no Regime Geral para
aqueles que não exercem atividade remunerada. (Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de
direito previdenciário, 12ª ed. Editora, RJ, 2008, p. 22)
Assim, a previdência
social tem como objetivo a cobertura dos riscos sociais que, nas palavras do
escritor Ivan Kertzman,
são
os infortúnios que causam perda da capacidade para o trabalho e, assim, para a
manutenção do sustento. São exemplos de riscos sociais a idade avançada, a
doença permanente ou temporária, a invalidez, o parto etc. (Ivan Kertzman,
Curso prático de direito previdenciário, 6ª ed. Ed. Juspodivm, 2009, p. 29)
Entretanto, é errado
afirmar que a previdência social existe apenas para proteger o segurado que se
encontre atingido pelos riscos sociais. Ela é muito mais que isso. Deve ser
vista como instrumento de manutenção das condições mínimas de preservação da
dignidade da pessoa humana, sendo enquadrada nesta ótica, como direito
fundamental do indivíduo.
O jurista Marcelo
Leonardo Tavares completa o entendimento acima exposto:
a
previdência torna-se um forte instrumento de concretização do fundamento
constitucional da dignidade da pessoa humana e dos objetivos de erradicação da
pobreza e de redução de desigualdades sociais, possibilitando o acesso às
oportunidades e garantindo cidadania. Como previdência básica, pode ser
comparada a um patamar mínimo abaixo do qual ninguém deve recear cair, mas
acima do qual podem surgir e florescer desigualdades sociais apoiadas na
autonomia privada e no talento individual. (Marcelo Leonardo Tavares, direito
previdenciário – regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência
social, 9ª ed. Editora lúmen júris, Rio de Janeiro, 2007, fl. 28)
Assim, a Previdência
Social constitui instrumento de proteção social, não só dos beneficiários
(segurados e dependentes), mas, indiretamente, de toda a sociedade.
Regime Geral de Previdência Social
Sob o aspecto
financeiro, o regime geral de previdência social é organizado com base na
repartição simples, em que todas as contribuições são vertidas para um fundo
único e distribuídas para quem fizer jus aos benefícios, ou seja, as
contribuições dos segurados ativos (contribuintes) sustentam o pagamento dos
benefícios aos inativos (beneficiários), em sintonia com o princípio da
solidariedade, que será abordado adiante.
Esclareça-se, ainda,
que o RGPS é classificado como regime de benefício definido. Segundo o escritor
Ivan Kertzman
no
regime de benefício definido, as regras para o cálculo do valor dos benefícios
são previamente estabelecidas. É o que ocorre com a previdência social pública
brasileira, que tem suas regras definidas por força de lei. (Ivan Kertzman,
Curso prático de direito previdenciário, 6ª ed. Ed. Juspodivm, fls. 30)
O RGPS é administrado
pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, Autarquia Federal vinculada ao
Ministério da Previdência Social, e articulado pelas leis 8.212/1991 e
8.213/1991 e suas alterações, sendo que a primeira lei regulamenta o custeio do
sistema (aliás, regulamenta o custeio de toda a seguridade social, não somente
da previdência social) e a segunda regulamenta a concessão de benefícios e
serviços.
Com relação ao
custeio, o RGPS é financiado por três entidades: Governo, empresas e trabalhadores.
Daí a denominação “custeio tripartite”.
Os beneficiários do RGPS são as pessoas
físicas que preencham os requisitos necessários ao recebimento do abraço
da Previdência social, ou seja, estiverem em uma situação de risco social
tipificada, bem como cumprido os demais requisitos legais. Podem ser segurados
da Previdência Social ou seus dependentes.
Por fim, os segurados
podem ser facultativos (aqueles que não exercem atividade remunerada) e
obrigatórios (aqueles que exercem atividade remunerada e não estejam vinculados
a regime próprio de previdência social), sendo, neste caso, a respectiva
contribuição ao RGPS também obrigatória, inclusive para os segurados aposentados que retornam ao trabalho, em conformidade com o art.
12,§4º 8.212/91.
Princípios da Previdência Social
Violar
um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema de comandos,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço
lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo,
abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura neles esforçada. (Celso
Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 15ª ed. São Paulo,
Malheiros, 2003, p. 818).
A Previdência Social
é orientada por dois princípios básicos: compulsoriedade e contributividade,
conforme caput do art. 201 da atual CRFB/88.
Sobre estes
princípios, o escritor Ivan Kertzman assegura:
O princípio da compulsoriedade é o que obriga a filiação
a regime de previdência social aos trabalhadores que exercem atividades
remuneradas lícitas. Se os segurados pudessem optar entre verter parte de sua
remuneração para o sistema de previdência social ou utilizar todos os ganhos
para pagamento das despesas domésticas, certamente a maioria escolheria a
segunda alternativa. Diversos trabalhadores ficariam, assim, excluídos do
sistema protetivo, gerando um completo caos social, pois, quando ficassem
impossibilitados de exercer suas atividades, não teriam como prover o seu
sustento.
(...)
A solidariedade do sistema previdenciário, em síntese, é
o princípio que acarreta a contribuição dos segurados para o sistema, com a
finalidade de mantê-lo, sem que necessariamente usufrua dos seus benefícios.
Uma vez nos cofres da previdência social, os recursos serão destinados a quem
deles realmente necessitar.
A solidariedade justifica a situação do segurado que
recolheu contribuição durante muitos anos sem jamais ter-se beneficiado. A
previdência atende, por outro lado, aos dependentes do segurado falecido, no
início de sua vida profissional, concedendo-lhes o benefício da pensão por
morte. (Ivan Kertzman, Curso prático de direito previdenciário, 6ª ed. Ed.
Juspodivm, fls. 28 e 29)
De grande relevância
também é o princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do
sistema, tornado explícito com a Emenda Constitucional nº 20/98, que o inseriu
no caput do art. 201 da Constituição
Federal.
Além da solidariedade
e da compulsoriedade, o art. 2º da Lei 8.213/91 estabelece que a previdência
social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:
1.
Universalidade
de participação nos planos previdenciários;
2.
Uniformidade
e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
3.
Seletividade
e distributividade na prestação dos benefícios;
4.
cálculo
dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição corrigidos
monetariamente;
5.
irredutibilidade
do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo;
6.
valor
da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuição ou do
rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo;
7.
previdência
complementar facultativa, custeada por contribuição adicional;
8.
caráter
democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação do
governo e da comunidade, em especial de trabalhadores em atividade,
empregadores e aposentados.
Além dos princípios
supracitados, expressamente previstos na legislação, são dignos de nota os
princípios implícitos da hipossuficiência dos segurados, princípio da proteção,
princípio do caráter alimentar dos benefícios previdenciários.
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